v. 2 n. 1 (2023): Edição Regular - Dossiê
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Editorial

INDÚSTRIA DE ALIMENTOS: COMO A RASTREABILIDADE PODE ACELERAR OS PROCESSOS DE DESCARBONIZAÇÃO

Por Janaina Aparecida Mainardi – Diretora de Unidade de Formação Profissional

O panorama da indústria de alimentos brasileira em relação às novas tendências e à Indústria 4.0 é multifacetado, abrangendo várias dimensões da produção e consumo de alimentos. Dentre as tendências “emergentes”, a rastreabilidade é uma que está bastante em alta, visto que há uma necessidade do novo consumidor em conhecer a origem do alimento que ele consome. O emprego desta tecnologia está alinhado também à coleta e geração de dados que podem trazer um entendimento mais profundo sobre o caminho da descarbonização (ABIA, 2023).

Rastreabilidade é a capacidade de traçar a origem e o percurso de um produto por meio de todas as etapas de sua produção e distribuição. No contexto da indústria de alimentos, refere-se à capacidade de rastrear um alimento desde a sua origem (uma fazenda, por exemplo) até o consumidor final.

De acordo com Bertolino (2010), o processo de rastreabilidade está diretamente envolvido com muitas questões, como por exemplo:

  • Segurança dos alimentos: em caso de contaminação ou qualquer outra ameaça à saúde pública, a rastreabilidade permite identificar rapidamente a origem do problema e retirar os produtos afetados do mercado;
  • Confiança do consumidor: a transparência na cadeia de suprimentos ajuda a construir confiança, permitindo que os consumidores saibam exatamente de onde vêm seus alimentos;
  • Sustentabilidade: a rastreabilidade pode confirmar se os produtos são oriundos de fontes sustentáveis, apoiando práticas éticas e ambientalmente responsáveis.

Para garantir a transparência dos dados, assim como sua imutabilidade, tendo como consequência a redução de fraudes, a indústria utiliza a tecnologia de blockchain como ferramenta para o processo de rastreabilidade. Isto porque esse “protocolo de confiança” registra digitalmente e de forma descentralizada e pública transações, organizadas em blocos ligados uns aos outros. A Embrapa Informática Agropecuária, por exemplo, desenvolveu um sistema de rastreabilidade usando tecnologia blockchain, para produtos e processos agroindustriais da cadeia produtiva da cana-de-açúcar. 

Algumas grandes empresas já fazem uso desse sistema e saem na frente, como por exemplo a Nestlé que, tem usado essa tecnologia para rastrear a origem de vários produtos, incluindo purê de batata e café. Como outro exemplo, temos a rede Carrefour, que rastreia a cadeia de suprimentos de produtos como frango, ovos e queijo, garantindo que os consumidores tenham acesso a informações transparentes sobre a origem dos produtos (GS1, 2023).

O movimento na direção do rastreamento utilizando a tecnologia de blockchain, é tão forte que, segundo o SEBRAE, grandes empresas vistas como concorrentes no mercado de alimentos e bebidas vem se unindo para definir os padrões necessários para compartilhamento de informações. Walmart, Kroger, a própria Nestlé, citada anteriormente, Unilever, Tyson Foods e outras grandes empresas de alimentos se reuniram com a IBM para criar o Blockchain Food Trust. O objetivo do Food Trust é melhorar a capacidade das empresas em questões como rastrear surtos mais rapidamente, limitando o risco do cliente. 

Ao mesmo tempo, há um intenso movimento relacionado à descarbonização dos processos e a indústria de alimentos tem um papel crucial na redução das emissões de carbono devido à sua vasta cadeia de suprimentos e ao seu impacto direto sobre o uso da terra, sobre a produção agrícola e sobre os recursos naturais (LOPES, 2022). A pegada de carbono seria muito mais facilmente detalhada com a utilização desse modelo de “protocolo de confiança”.

Sempre que um alimento é desperdiçado, toda a energia e recursos, como terra e água, usados ​​para cultivá-lo ou produzi-lo, também são desperdiçados (3,3 gigatoneladas de CO2 equivalente por ano, e a produção deste total de alimentos que é perdido, responde por 8% das emissões de gases de efeito estufa). Em um mundo que precisa dobrar a produção de alimentos para atender à demanda de uma população que deve aumentar para nove bilhões em 2050, essa perda colossal de alimentos durante a cadeia produtiva e de consumo é trágica (Bessa, 2023).

Com todas essas questões em alta, a indústria é direcionada de forma diferente para alguns pontos da cadeia. Como a agricultura e a silvicultura, que são setores significativos para a descarbonização. O rastreamento das práticas agrícolas e florestais sustentáveis, garante, por exemplo, que uma determinada área não tenha sido desmatada ou que práticas de agricultura de baixo carbono tenham sido implementadas.

Há também um maior interesse por parte da indústria de alimentos em fazer uso de ingredientes mais sustentáveis e embalagens mais sustentáveis. Ingredientes cultivados de forma mais sustentável geram menor pegada de carbono, assim como embalagens de materiais recicláveis, biodegradáveis ou compostáveis.

Outro ponto importante de se destacar é que o consumidor busca, cada vez mais, por produtos de menor pegada de carbono e mais sustentáveis, como consequência (ou vice e versa). A adoção desse olhar e mentalidade mais consciente, vira um ciclo: o consumidor exige e a indústria acaba sendo incentivada a adotar melhores práticas para atendê-lo.

A rastreabilidade e o blockchain têm o potencial de transformar o caminho para a descarbonização, oferecendo transparência, verificação e sistemas de incentivo para reduzir as emissões de carbono em diversos setores. A integração dessas tecnologias nas estratégias de sustentabilidade pode acelerar a transição para uma economia de baixo carbono e a indústria de alimentos está cada vez mais consciente de seu papel nas emissões globais. No entanto, ainda há muito trabalho a ser feito, e a colaboração entre empresas, governos, ONGs e consumidores será crucial para garantir um sistema alimentar verdadeiramente sustentável no futuro.

Referências:

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDÚSTRIA DE ALIMENTOS - ABIA: Disponível em: https://www.abia.org.br/noticias/o-impacto-da-digitalizacao-para-a-seguranca-dos-alimentos. Acesso em: 09 set. 2023.

BERTOLINO, M. T. Gerenciamento da qualidade na indústria alimentícia: ênfase em segurança dos alimentos. Porto Alegre, ed. Artmed, 2010.

BESSA, F. O poder da blockchain na rastreabilidade dos alimentos. MIT Technology Review. Agosto, 2023. Disponível em: https://mittechreview.com.br/o-poder-da-blockchain-na-rastreabilidade-dos-alimentos/ . Acesso em 09 set. 2023.

EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA - EMBRAPA: Sistema de rastreabilidade utilizando tecnologia blockchain para produtos e processos agroindustriais da cadeia produtiva sucroalcooleira. Outubro 2022. Disponível em: https://www.embrapa.br/busca-de-projetos/-/projeto/218627/sistema-de-rastreabilidade-utilizando-tecnologia-blockchain-para-produtos-e-processos-agroindustriais-da-cadeia-produtiva-sucroalcooleira. Acesso em 08/09/2023.

GS1: Confiabilidade, qualidade e segurança do alimento. Disponível em: https://www.gs1br.org/setores/alimentos. Acesso em: 09 set. 2023.

LOPES, M. A. Descarbonização e circularidade: respostas dos sistemas alimentar e agroindustrial aos objetivos de desenvolvimento sustentável. EMBRAPA Agroenergia. Brasília, 2022.

Dossiê

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